Por Lucila
Helena Celete
Estamos num
momento religioso muito delicado no Brasil, onde o estado laico não vem sendo
respeitado, vemos diariamente postagens nas redes sociais de pessoas sendo
desrespeitadas em suas crenças e religiões, chamadas de cultos, e não de
religião.
Vamos começar pelo começo...
Segundo nossa constituição,
vivemos num estado laico, onde todos podem professar e praticar a religião que
desejarem e acharem melhor para si.
Art. 5º Todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
VI - é inviolável a
liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos
cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto
e as suas liturgias;
VII - é
assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas
entidades civis e militares de internação coletiva;
VIII -
ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção
filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a
todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
Sabemos
também, aliás, quem não sabe, que fique sabendo agora, porque conhecimento não
ocupa espaço, nenhuma lei neste país pode sobrepor a Constituição Federal de
1988, chamada de constituição cidadã, pois garante os direitos básicos e plenos
do cidadão.
Se nenhuma lei
pode sobrepor à constituição, como pode ter uma bancada “evangélica” neste país,
brigando por direitos e valores que não são laicos?
Como podem
julgar religiões não cristãs, como “cultos demoníacos”, pura e somente por não
cultuarem o Cristo, considerado salvador pelos cristãos, mas inexistente para
judeus, muçulmanos, candomblecistas, budistas e messiânicos?
Religião, no
dicionário, significa se religar a Deus, a uma força maior, e o cristianismo se
baseia em cultuar o Cristo, e não tem nada a ver com o Deus criador.
Porque, de
todas as religiões que já pesquisei, todas têm um criador, uma força maior, que
criou tudo e que comanda as “regras do jogo”.
Engraçado, li
uma postagem esta semana, se referindo aos animais, que são ateus, imagino,
porque não cultuam nada, nem ninguém, mas mesmo assim, vivem, passam pelo
mundo, tem sua existência, sua história e não estão preocupados com o
julgamento final, com a opinião dos outros ou de Cristo sobre eles.
E que mal há
em não crer em nada? Seria esta pessoa menos digna? Ser cristão não é seguir os
passos do Cristo?
E porque julga
seu irmão pela roupa que veste no culto, porque julga a adúltera, pela má
conduta, se o próprio Cristo a aceitou de braços abertos?
E o que dizer
da guerra santa, que ultrapassa todos os limites de sanidade e humanidade.
Mas vejo no
nosso Brasil, LAICO, um movimento pró-cristianismo, desnecessário, voluntário e
agressivo.
Pessoas que te
abordam na rua, na porta da sua casa, no mercado, na feira, no ônibus.
Cadê o meu
direito de ir e vir, determinado pela constituição?
Cadê o meu
direito de não professar nenhuma religião, ou de seguir uma religião que não
quero declarar?
Quem lhes deu
o direito de me interpelar na rua, para impor suas idéias?
Cadê o estado
laico, para aqueles que têm uma religião e que não podem dizer clara e
abertamente sobre sua fé, sobre suas crenças, que seus filhos não podem dizer
na escola abertamente sobre suas crenças... cadê o direito destas pessoas, tão
brasileiras quanto todos nós e que deveriam ser resguardados pela constituição?
E vocês que
estão ai no legislativo, o que estão fazendo ai, se não é fazer valer nossa
constituição e os nossos direitos?
Quero poder
continuar ensinando meus filhos que eles podem e devem conhecer todas as
religiões antes de decidir onde se sentem bem, que eles devem sim ter amigos de
todas as crenças porque irão aprender sobre diversas visões de mundo.
Quero poder
continuar com todos os “meus rituais”, que são uma mistura de família africana,
com católicos italianos e espanhóis, espanhóis estes mouros.
O copo de água
com sal grosso atrás da porta, a vela do anjo da guarda, a oração pela manhã, o
incenso, o credo quando tudo vai mal, as missas pelos entes que já foram, a
defumação para aliviar o ar pesado da casa, os banhos de folha para abrir
caminho, os santinhos na cozinha guardando o lugar onde nos reunimos para as
comemorações em família, o terço sobre a cama, ritos misturados de crenças
diversas, de famílias misturadas, mas que são praticados desde sempre, num
Brasil de tamanho continental e de culturas diversas e dispersas.
Somos um povo
de diversas raças, somos todos vindos de todos os lugare.
E não podemos
e em devemos proferir uma única fé, uma única religião, se mesmo no
cristianismo não há consenso.
A igreja
católica, criada após a morte de Cristo, está sendo “substituída” pelas ditas
“evangélicas”, que agora se dizem as verdadeiras e corretas.
Mas que nem
entre elas há um consenso.
Existem trezentas
e várias denominações cristãs evangélicas: diferindo entre si em valores,
cultos, ritos, verdades e interpretações.
As presbiterianas,
batistas, anglicanas, congregacionalistas, luteranas, calvinista, adventista,
neopetencostal e tantas outras.
Se não há
consenso entre quem diz que busca a mesma coisa, baseados no mesmo livro e com
as mesmas regras, porque querer que o outro seja igual a mim?
Quero
poder ir ao mercado e ver um colega de roupa de santo, sim, de roupa de santo,
e perceber que ninguém fez cara feia para ele, que ninguém xingou e muito menos,
matou por isso.
Quero ir à
praia e ver amigos evangélicos se divertindo, sem beber ou dançar, mas estão lá,
da maneira deles e respeitados.
Quero ver no dia
de Cosme Damião, as pessoas na rua proferindo sua fé e sendo respeitadas.
Quero ver como
a marcha para Jesus, um movimento dos filhos de fé, dos umbandistas, candomblecistas,
todos de branco, lavando a escadaria da sé, passeando pela paulista, todos ao
toque do atabaque.
Porque se há
permissão para que se faça um “show” religioso para uma única fé, há de haver
também a mesma permissão para todas as outras.
Quero ver
amigos budistas andando pela cidade a caráter, sem serem olhados como monstros,
que possam fazer uma cerimônia pública com a citação do “daimoko” e todos
respeitem a fé alheia.
Porque o
estado laico é muito mais do que palavras na constituição. Ele é respeito ao
próximo, é dignidade para viver com a sua escolha sem se preocupar com o outro.
E para aqueles
que tentam este absurdo de bancada evangélica, eu digo, houve uma época em que
a religião comandou a política, e ela se chamou inquisição e foi o maior horror
já visto pela humanidade e até hoje o papa pede perdão por isso, diariamente.
Não sujem suas
mãos com o sangue dos inocentes de outras religiões, proferindo ódio e vingança
contra aqueles que pensam de maneira diferente.
Porque mesmo
que voce não tenha matado, se você disse “vamos
acabar com estes macumbeiros”, “eles cultuam o demônio”, você está incitando
a violência e será tão culpado pela morte, quanto quem o matou.
Existem leis
que não são cumpridas neste país e gostaria que todos, todos que sofressem qualquer
violência de intolerância religiosa fossem a público, devemos acabar com isso.
Queimaram uma
igreja mórmon que continha documentos históricos, isto é um horror para o país.
E o que dizer
do holocausto, um povo foi perseguido e exterminado e que até hoje não
conseguiu esquecer esta barbárie.
Intolerância.
Até quando
vamos aceitar o outro como inimigo, diferente e “outro” e não como irmão, filho
do mesmo Deus, com aquele amor que Cristo pediu: “ame o próximo como a ti mesmo”
Este próximo é
qualquer um, e não só seu filho, irmão, primo, ou colega de igreja, é qualquer
um!
E principalmente
aquele que você acredita ser diferente, ser inimigo, estar errado.
Este deve ser
mais amado ainda, para que a cólera não ocupe nosso coração.
Deixo aqui meu
agradecimento a todas as religiões, que lutam e ensinam o amor acima de tudo,
que buscam um mudo melhor para mim e para todos nós.
Que a
humanidade possa perceber rapidamente que somos todos humanos.
Que
Deus, Oxalá, Budá, Maomé, Meishu sama, Alá, Jesus Cristo, Nossa Senhora
Aparecida os abençoe e que possamos aprender a amar acima de todas as coisas.
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